segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Relatos de uma Analista Ambiental

Por Valdira Rosa

Hoje a Work Out Eventos abre espaço para mais uma colaboração de nossos leitores. Desta vez, Valdira Rosa, Analista Ambiental do IBAMA/GO, dá seu depoimento sobre a problemática das relações que envolvem animais silvestres e humanos, sobretudo em torno da questão da criação deles fora de seu habitat natural. Leitura altamente recomendada para quem se preocupa com a natureza.


Durante esses poucos anos que trabalho na área ambiental, tendo passado pelo Norte e Centro–Oeste, venho observando o quão egoísta o ser humano tornou-se ao longo de sua história com os outros animais. Em favor de SEU prazer, utiliza-se de inúmeros argumentos para exercer seu poder de posse sobre animais que em muitos casos deveriam estar livres na natureza.

Eu sei, parece piegas, soa “eco chato”, como muitos gostam de falar. Mas por algumas vezes vivenciei situações que me pareceram esdrúxulas, de muito mau gosto.

Uma delas foi durante um trabalho, quando minha equipe passava muito cedo por uma estrada de chão, em torno de seis horas da manhã, e vimos um passarinho engaiolado pendurado na parede de uma casa. Nada demais, isso é um hábito no Brasil inteiro, e ele poderia estar licenciado. Mas ao meio dia, a ave continuava no mesmo lugar, debaixo de um sol estupendo (e só quem já foi à Região Norte sabe como é). Às dezessete horas ele ainda estava no mesmo lugar, acuado, a um canto da gaiola, sem água e sem comida. Recolhemos a ave, tentamos minimizar seu sofrimento. E desde esse dia sempre percebo que as pessoas querem e ADORAM seus pássaros, por puro egoísmo, e pensam apenas em seu próprio umbigo. Afinal, se gostassem mesmo de aves, iriam apreciá-las em seu habitat.

 Outro evento bem marcante foi quando vimos um senhor (já bem idoso), com um macaco grudado em seu pescoço à beira da estrada. A princípio parecia um caso de amor. Ao tentar convencê-lo a entregar o animal, houve comoção geral, vizinhos e amigos do idoso protestaram, o macaco foi escondido. Como tudo ocorreu em um comércio, suspeitamos de que a exposição era para atrair clientes para a venda de animais silvestres e avisamos à equipe de fauna e à polícia ambiental da região. Alguns dias depois, retornamos com essas equipes e tivemos que fazer busca por todo um sítio, pois o macaco (que segundo ele, era como um filho) havia desaparecido. Na busca encontramos duas araras “livres” em uma árvore no quintal, e claro, estavam com suas asas cortadas e mal nutridas. O macaco foi encontrado num paiol, acorrentado a um cabo de enxada, o “filho amado”. A esposa do senhor tentou de todos os argumentos, disse que iria “regularizar” o animal, que se o levássemos, ele não sobreviveria, que seu esposo era doente e poderia morrer, e por fim, que arrumaria mais animais ainda!

Bem, algum tempo depois realmente foram encontrados diversos outros animais na casa desse casal idoso, que comercializava os animais silvestres que viviam numa floresta próxima a sua residência.
Sempre que ouvimos histórias sobre pessoas com seus papagaios observamos que os argumentos são sempre os mesmos, de que o animal não vai sobreviver, de que a pessoa depende emocionalmente do animal, de que ele está há muitos anos na família.

Certa vez um amigo vivenciou os prantos de uma senhora que dizia ser o papagaio o “amor de sua vida”, e ao verificar o que ela fornecia para sua alimentação, descobriu os motivos da ave não estar saudável.
Num caso de apreensão, apesar da alegação da família de que a avó trouxera o animal há muitos anos, mostrando um papel de permissão para ter a ave por se tratar de pessoa idosa, verificamos que na verdade não era a mesma, agora eles se utilizavam do tal papel para outra ave, jovem e recém-capturada. Essa apreensão foi extremamente difícil, pois além da pessoa idosa havia crianças na família.
Por que não educamos nossas crianças a apreciar esses animais na natureza? Por que não respeitamos os limites dos outros animais?

 Já vi histórias de idosos que gostavam tanto de pássaros, que criavam em torno de cem deles! E que adoecem ao ter “seus” animais apreendidos. E que furam os olhos de alguns para aprimorar o seu canto. E que cortam suas asas para criá-los “livres”. E que criam “áreas verdes” de samambaias em seus quintais cimentados.


O velho argumento de que esses animais, depois de muito tempo em cativeiro, não sobreviveriam na natureza não nos convence mais. São vários os relatos de solturas planejadas e organizadas que mostram excelentes resultados. Casos de animais que depois de anos em cativeiro, ao serem libertados são avistados com parceiros e procriando.

A equipe do CETAS-GO (Centro de Triagem de Animais Silvestres do Ibama em Goiás), entre outras espalhadas pelo Brasil, tem vários relatos do sucesso de solturas. E ainda bem que podemos contar com pessoas dedicadas a este trabalho.

Mas ainda é preciso muito mais. Necessitamos de campanhas educacionais voltadas a esta questão. Necessitamos de convencimento da mídia, para que esta faça parte dessas campanhas educacionais, e não fique simplesmente como apresentadora de problemas sem solução, muitas vezes apoiando o cativeiro de aves que deveriam estar livres, e quase sempre repetindo conceitos equivocados, que vão contra a legislação, enaltecendo a ignorância. É necessário conscientizar aqueles que participam da grande mídia a se prepararem melhor e conhecer o assunto a fundo, em todos os seus aspectos, antes de publicar matérias alarmistas e sensacionalistas, sem fundamentação técnico-científica.


Nesse sentido, achei muito oportuna a exibição da animação “Rio”, que mostrou um pouco a situação do tráfico de animais silvestres e mostrou também uma solução romântica para o caso retratado na história. Mas é sempre bom lembrar que além do tráfico para outros países, há o tráfico interno, basta olharmos essas feiras clandestinas de animais, onde a fiscalização reprime num dia, no dia seguinte estão todos lá novamente. E se ali eles estão é porque tem mercado, tem gente que compra. Então é preciso identificar e mapear esses compradores, para um trabalho sério de conscientização, não apenas de repressão.

É sempre bom refletirmos sobre o assunto, pensar o que nos leva a comprar uma ave e mantê-la em cativeiro dentro de nossas casas. O que nos falta?


Valdira S. Rosa

Analista Ambiental – IBAMA/GO

Se quiserem conhecer mais sobre o nosso trabalho no IBAMA, visitem: 





Um comentário: